Monday, March 24, 2008

Domingo

Ele permanecia ali, imóvel, dormindo naquela mesma posição confortável de sempre. Arriscou então, um encontro abraçando-o, e sentindo aquela voluptuosidade, mas aquilo a incomodou, seria melhor contemplar aquele ângulo por mais alguns minutos, até adormecer. Se adormecesse. Então voltou seu rosto para junto do lençol, que de tão macio parecia respirar com ela. Já ele, respirava longe, voltado para algum lugar seguro de vultos e escombros provavelmente. Respirava tão distante que a inspiração já não cabia em seu peito tão perfeitamente desenhado, parecia que algo iria lhe escapar, como acabam fugindo as coisas que não são pra ser de ninguém. Tateou-lhe devagar, passou os dedos em sua pele macia e dourada como se fosse redesenhá-lo, mas não, aquele corpo superava a perfeição. Então por um instante, uma dúvida, sim, ele estava vivo. O ar entrava e saía de maneira tão sutil, imperceptível. Pensou então na morte, na grandiosidade das coisas que só acontecem uma só vez na vida. Sem idas e vindas, sem repetições, ensaios ou rascunhos. Aquela cena desenhada na parede de suas lembranças. Pele, ar, seda. Como se estivessem contracenando em total harmonia com o lençol. Ela havia captado a nota perfeita daquele instante que só aconteceria uma única vez. Um único movimento, uma agitação de dedos e já mudaria todo o cenário. Contemplou atentamente antes daquela cena mudar. Era lindo daquela maneira. Lindo como não seria mais, nunca mais depois de alguns instantes. Testemunhou aquela beleza até os olhos arderem por insistirem em não fechar. Piscou, afinal, duas vezes e sentiu que após esse ato algo havia ficado para trás, embora quase tudo permanecesse como até então. Tudo aquilo impregnava-a com a sensação única e leve daquele quarto. Leve e ao mesmo tempo fugaz, por mais que insistisse em não piscar os olhos. Ele agora teria o sono como álibi para tornar-se livre, dessa vez as noites em claro, as insônias e os orvalhos das madrugadas não seriam suficientes para estilhaçar os muros. Deixou-se então observando aquele peito que agora ia e vinha com mais força, ritmado como os ponteiros de um relógio. Ah sim, o tempo – faltava pouco, mas ainda… Resolveu então se despir de qualquer tipo de pensamento e pousar toda a sua atenção no peito indo e vindo… Indo e vindo como algo que não consegue ir completamente embora.

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