Monday, March 31, 2008

Notas

Havia tanta bossa nos discos deles que em algumas noites não conseguiam escolher o que ouvir! Talvez Piazzola? Como na primeira noite em que ela estivera lá e revelara como seus tangos a faziam arrepiar! Arrepiar-se onde não devia! Uma música que faz amor lento, delicado, repleto de harmonia. Ou um bolero? Que tanto dançaram em estados à flor da pele, entre as súplicas lacrimosas de besáme mucho e que embalaram as danças mais imorais já vividas na humanidade. Quem sabe aqueles solos quentes de Steve Vai, cheios de coreografias solenes e insinuantes que sugeriam o despertar de todos os desejos mais lascivos e obcenos? Ou então um pouco da destreza mágica e selvagem do dedilhar flamenco de Paco? Aquela selvageria latejante e voraz que sempre cortava o silêncio de uma noite arrebatadora e calorosa. Música que vinha emaranhada com os sons mais profundos de si e que despertava-lhe os sons mais agudos e espasmos de louca...Havia muito o que viver, o que cantar, o que dançar...Havia muito ainda...
Então quando ele partiu a música perdeu todo o sentido para ela.
Restou-lhe naquela época um silêncio tão ausente de sensações que nem mesmo a solidão doía.
Perdia então algumas noites tentando inutilmente escolher a música para o dia em que ele voltasse. E hoje aprendeu a viver o silêncio.

O amor não deixa sobreviventes.

Saturday, March 29, 2008

lullaby

hoje me olhei no espelho e percebi uma ruga que há muito não via.
não porque ela não mais existia, mas por ela ter se ocultado bem quietinha por lá, entre as minhas francas células epteliais.
as minhas rugas são eternas. infinitas.
senti o canto dos meus olhos se encherem de lágrimas ao percorrer por aquele espelho dedo-duro. lágrimas tão familiares que corri para segurá-las pelo máximo de instante que eu conseguiria.
improvisei um sorriso em seguida pra me convencer que tudo estaria bem, mas também foi uma tentativa inútil de me apoiar em "brilhos eternos".
aquilo [e isso] era um triste monólogo. mas não é mais. nem triste, e nem monólogo.
triste é tudo que tem fim. mas eu calculo o infinito.
triste é quem nunca teve uma ruga. mas eu tenho uma. várias. e cada vez mais.
triste é o que não se viveu. mas eu fiz mais que viver. amei.
triste é a lacuna que fica na memória. e eu tenho infinitas recordações.
triste é quem nunca ergueu um muro de concreto. e eu até pulei um.
triste é ver o varal vazio por não ter lençóis. e no meu tem até fronhas.
triste é a gelidez do monólogo.
triste é a chegada do botox.

Friday, March 28, 2008

pandora's box

todo mundo tem uma gaveta.
já experimentou pintar a essência da sua gaveta?
guardo a minha vida inteira numa delas.
e tenho notado que ela tem ficado cada vez mais inútil ultimamente...

Monday, March 24, 2008

Domingo

Ele permanecia ali, imóvel, dormindo naquela mesma posição confortável de sempre. Arriscou então, um encontro abraçando-o, e sentindo aquela voluptuosidade, mas aquilo a incomodou, seria melhor contemplar aquele ângulo por mais alguns minutos, até adormecer. Se adormecesse. Então voltou seu rosto para junto do lençol, que de tão macio parecia respirar com ela. Já ele, respirava longe, voltado para algum lugar seguro de vultos e escombros provavelmente. Respirava tão distante que a inspiração já não cabia em seu peito tão perfeitamente desenhado, parecia que algo iria lhe escapar, como acabam fugindo as coisas que não são pra ser de ninguém. Tateou-lhe devagar, passou os dedos em sua pele macia e dourada como se fosse redesenhá-lo, mas não, aquele corpo superava a perfeição. Então por um instante, uma dúvida, sim, ele estava vivo. O ar entrava e saía de maneira tão sutil, imperceptível. Pensou então na morte, na grandiosidade das coisas que só acontecem uma só vez na vida. Sem idas e vindas, sem repetições, ensaios ou rascunhos. Aquela cena desenhada na parede de suas lembranças. Pele, ar, seda. Como se estivessem contracenando em total harmonia com o lençol. Ela havia captado a nota perfeita daquele instante que só aconteceria uma única vez. Um único movimento, uma agitação de dedos e já mudaria todo o cenário. Contemplou atentamente antes daquela cena mudar. Era lindo daquela maneira. Lindo como não seria mais, nunca mais depois de alguns instantes. Testemunhou aquela beleza até os olhos arderem por insistirem em não fechar. Piscou, afinal, duas vezes e sentiu que após esse ato algo havia ficado para trás, embora quase tudo permanecesse como até então. Tudo aquilo impregnava-a com a sensação única e leve daquele quarto. Leve e ao mesmo tempo fugaz, por mais que insistisse em não piscar os olhos. Ele agora teria o sono como álibi para tornar-se livre, dessa vez as noites em claro, as insônias e os orvalhos das madrugadas não seriam suficientes para estilhaçar os muros. Deixou-se então observando aquele peito que agora ia e vinha com mais força, ritmado como os ponteiros de um relógio. Ah sim, o tempo – faltava pouco, mas ainda… Resolveu então se despir de qualquer tipo de pensamento e pousar toda a sua atenção no peito indo e vindo… Indo e vindo como algo que não consegue ir completamente embora.

Fantasias

Segundo o Google Analytics, esse blog é um ménage à trois...

Sunday, March 23, 2008

Rascunhos

Eu teria me sabotado mais um pouco, por mais alguns meses, uns dias, uns minutos...Por um abraço a mais...Teria te levado a elevados e corcovados, te despedaçaria mais um tango e cantarolaria mais uma grosseria...Teria assistido mais um filme, ou até prolongaria uma curta-metragem naquela mesma sala de sempre...Teria te oferecido mais um vinho que alegraria aqueles risos eufóricos nossos...Teceria um último quadro amor-tecedor nosso e derramaria nanquim no último lençol...Te levaria à cidade para ver como em uma multidão de pessoas e muros de concretos só estávamos eu e você...Sempre...Protegidos...Por um olhar a mais, sim eu teria...Tudo, só para não deixar aquele vazio ir embora com todo esse amor-felicidade...

Thursday, March 20, 2008

Alien

Ele cansou de esperar uma atitude. E permanecia ali, sempre quieto e deixando-se levar pela inércia dos fatos, dia após dia. Mas as coisas não caminham só e ele pensava intuitivamente que já estava na hora de mudar. Ele vivia a busca de algo. Uma busca solitária, que acabava afastando-o do mundo, dos amigos e dos amores. O que era ele não sabia. Talvez nunca saberia, talvez não havia o que ser buscado, apenas vivido em estado de não pertencer a lugar nenhum - como quando a gente acredita não em um, mas em todos os deuses. Talvez ele se tornasse um viajante solitário de terras cada vez mais longínquas. Alguém sem laços. Alguém sem lenços e documentos. Um turista acidental, confirmando a sensação de, apesar daquela imensa gratidão por ser humano, ter nascido estrangeiro para a humanidade. Ou, como cantam, um perfeito Englishman in New York...

Thursday, March 13, 2008

Espelho

Você gostaria de ser eu???

Pois eu gostaria de ser você...Só pra sair um pouco da rotina.

Thursday, March 06, 2008

Não são metáforas... ... ...

Eufemismo?

Talvez o meu espírito sofista de hoje tentaria me convencer do contrário...
Porque é no inverso do universo que acontecem os melhores acordes de um Adágio, como o sombrio de Brahms.
Já me convenci que essa patologia crônica que caleja a minha alma de pinturas, vocabulários, artes, e gramáticas, é o que encarde minhas veias torpes psicotrópicas...
Não usar palavras seria perder os sentidos? Ou como diria Lispector na Claridão das águas vivas, seria então "perder-se nas essenciais ervas daninhas?" Ou então se entregar nos infinitos com finais infelizes dos amores conto-de-fadas.

Mas acredito que Iran Necho tem razão... “...a verdade é a maior mentira que já inventaram...”

Painter Song

Tento vasculhar na minha vasta escuridão alguma metáfora, algum tom de azul-pastel-de-vento pra eu voltar a pintar sobre lençóis...Recomeço buscando um ponto de fuga de onde, outrora fugi desesperadamente...Palavras que me esqueci...Suspiros que se foram...Notas que não me recordo mais...Pintar é algo que se requer prática...E isso, pelo visto eu já perdi também...Em meus esboços trépidos descubro que a verdade é que eu sempre estive só de mim. O primeiro acorde do meu novo adágio é uma ode à redenção. A felicidade tira a cor das pinturas. E o amor-imenso-amor, não vem mais com aroma de música de câmara.