Tuesday, June 02, 2009

Polissêmia Imperfeita

O coração é tal qual uma invenção moderna que tem causado forte dependência aos usuários, como um objeto celular, embora muita gente não saiba, o que é muito triste. Não dão um coração à você, é você que é dado à um deles.
Quando te oferecem esse pequeno músculo pulsante-vibrante, não estão te dando nada de coração. Dão um novo órgão de posse, um bem, algo que lhe pertence mas não é seu corpo. Dão à você algo vulnerável e ilusório. Te dão a necessidade de [re]carregá-lo freqüentemente para que continue vivo, a obsessão de olhar momentaneamente se há ligações, mensagens, checar se a hora certa foi perdida; lhe fornecem o medo de que seja roubado, de perdê-lo, de que possa cair, partir, despedaçar.
Dão a marca e a mania de mostrar e de comparar ao dos outros. A mania de querer freqüentemente trocar por um modelo melhor. Te dão o trabalho de reaprender a usar e se adaptar a cada troca feita. Dão a obrigação de armazenar tudo na memória.
Quando lhe dão um coração estão lhe dando algo para ouvir e falar diariamente. Dão algo que no momento do merecido silêncio tocará sons polifônicos dos mais diversos tipos. É um aparelho de onde saem vozes estranhas ou as mais familiares, ou às vezes estranhas que lhe parecem familiares. O celular é algo que pode mudar o seu humor em poucos segundos. O coração é algo que pode mudar a sua vida em poucos segundos. O celular é um aparelho que às vezes nos dá a vontade de tacar na parede. Quando lhe dão um coração, estão te entregando um convite ao primeiro canto de Dante e lá não há caixa-postal nem torpedos de Eros.
E então, qual é o número do teu coração? Inspirado no conto de Julio Cortázar

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